O porquê da música
- Rangel G. Godinho
- 19 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de mai. de 2022

Lembro-me que quando criança, ouvia dizer que na cidade da minha avó, Pirenópolis, havia um cachorro que não sabia latir. Eu achava essa história meio estranha, como poderia existir um cachorro que não saiba latir? Entretanto, durante uma de minhas peregrinações por aquela cidade, deparei-me com o tal cachorro. É verdade que nosso encontro não foi amigável, pois enquanto caminhava por uma das ruas de pedra da cidade, fui surpreendido pelo cachorro que veio ferozmente movimentando a boca em minha direção, não havia ruídos, isso mesmo, não saía sequer um gruído ou outra coisa parecida de sua boca.
Embora eu estivesse me assustado com a atitude do cachorro, não me contive e disparei em risadas, as quais foram compartilhadas com meu primo Denilson que me acompanhava. Todavia, quando o cachorro se acalmou a situação foi deixando de ser hilária, confesso ter ficado um pouco entristecido por ter me divertido diante da incapacidade do cão de latir, pois ao observá-lo mais atentamente percebi no olhar daquele animal que ele sabia que algo não estava bem. Hoje me indago se ele também tinha problema com a audição, será?
Latir é um marco dos cães, seja para incomodar a vizinhança ou alertar sobre a presença de estranhos, é difícil pensar em um cachorro sem seu latido, por isso acho que não deveria ter me rendido às risadas naquela ocasião. Contudo, lembrar desse fato me permite refletir, sem buscar respostas definitivas, sobre algumas questões referentes aos sons, ruídos, músicas e seus conteúdos, em fim o porquê da música.

Bem, a música sempre teve lugar de destaque na vida do ser humano, Aristóteles certa vez chegou a dizer que a música era uma arma tão poderosa que devia ser controlada pelo Estado, pois por meio dela varias gerações foram influenciadas para determinado tipo de comportamento. Durante as batalhas a música foi utilizada para motivar os guerreiros; também os regimes políticos totalitários serviram da música para à alienação do povo. Os políticos por um tempo atraíam as pessoas para ouvir-los através dos showmícios, os quais aglomeravam muitas pessoas, eu já fui.
Penso que hoje a música apresenta-se ainda mais multifacetada, quanto aos ritmos, melodias, letras, etc, e isso é bom. Se os cachorros têm um objetivo implícito em seus latidos, que podem ser de afugentar pessoas estranhas ao seu convívio, pedir comida, fugir do banho, pergunto, qual é o sentido das canções atuais, em especial das letras musicais embutidas muitas vezes numa batida envolvente? Quais sentimentos estão sendo nutridos? Como estamos assimilando sua mensagem? Aliás, você já pensou nisso?
Uma das canções mais interessantes para se experimentar é o silêncio; cheio de acordes formados de tríades maiores e menores, som arrebatador, o qual nos leva ao encontro de nós mesmos e chega às vezes a nos incomodar, mas desperta para uma canção a qual temos deixado escapar do cotidiano, a Vida, não em aspectos orgânicos simultâneos aos gestos mecânicos, mas antes em sua pausa, que orienta o compasso das ações e nos permite dar significado às nossas escolhas, bem como às pessoas com as quais convivemos.
Talvez sejamos parecidos com aquele cachorro que não sabia latir e temos usado a voz de outros como nossa, não por limitações físicas, mas por falta de uma atitude crítica perante aos ruídos que esfacelam nossa capacidade de criar.
Rangel Gomes Godinho
Texto escrito em 25 de junho de 2010
Fonte das imagens: Google Imagens.
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